🎮 Jogos na Web3 | Estamos no Caminho Certo?
Uma viagem à história dos games e o que o futuro aguarda para GameFi
Por: Ludmila Lopes Revisão: CariocaNFT
Eu sempre gostei de jogos, desde criança. Até hoje tenho uma lembrança muito vívida de abrir a caixa novinha do Super Nintendo com meu primo (ele tinha ganhado o console de aniversário). Plugar o console em uma TV de tubo e ver aquela tela inicial colorida com o encanador mais famoso do mundo mexe com minha nostalgia.
Era (ainda é) muito divertido jogar sozinha e explorar todos os desafios que o Reino do Cogumelo tinha a oferecer, mas era ainda mais divertido convidar seu amigo para se juntar à saga e ser o Luigi (o dono do console tem prioridade para ser o Mário, óbvio).
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Com a internet e a popularização dos jogos online, essa colaboração ficou ainda mais fácil e cheia de novas possibilidades. Juntávamos times para invadir a base inimiga em DotA, construíamos uma civilização inteira em menos de 1 hora para destruir a civilização do coleguinha em Age of Empires, e até escalávamos nossos próprios times de futebol no Cartola.
Mas, pelo menos no meu caso, foi na acensão dos jogos mobile que percebi uma economia mais complexa surgindo nos games. Quem nunca pagou um trocadinho para continuar jogando Candy Crush depois que esgotaram o número de partidas no dia? Só eu? Definitivamente não. Só em 2021 esse jogo gratuito gerou mais de 1,2 bilhões de dólares em receita, lado a lado com outro gigante: o Free Fire.
Quando comecei a me aprofundar mais sobre NFTs, a relação com games me pareceu óbvia na época. Se milhares de pessoas já estavam dispostas a gastar dinheiro em roupas e dancinhas do Fortnite ou armas estilizadas no Counter Strike, migrar esses itens para NFTs on-chain parecia simples. Mas eu estava enganada. Assim como muitos que apostaram no setor em 2021-2022.
O modelo de receita de jogos gratuitos parece muito simples, mas a verdade é que acumula anos de experiência em estudos da psicologia dos games e modelos econômicos.
A Psicologia dos Games
Em um mundo onde as redes sociais e conteúdos curtos estão reduzindo a capacidade de concentração das pessoas, a indústria dos games não para de crescer. Como um jovem que não consegue ver um filme inteiro sem se distrair no celular se concentra por horas em partidas de Overwatch? A verdade é que jogos são uma das formas de entretenimento com mais engajamento e imersão.
Existem diversos motivos que levam pessoas a gastar horas em jogo, mas vou ressaltar 3 que são mais frequentes:
Testar habilidades: jogos permitem que você desenvolva e teste diversas habilidades como reflexo, resolução de problema, navegação, lógica. E o mais importante: o feedback é praticamente imediato, o que é muito diferente da vida real. Quando um jogo é bem construído, com um bom balanço de curva de aprendizado e desafios, ele coloca o jogador em um fluxo de evolução e feedback que é psicologicamente estimulante e satisfatório.
Agir de forma independente: quem já ouviu reclamações acerca de jogos que exageram tanto nos tutoriais que causam um efeito de início lento (parte do gameplay é guiada pelo jogo até você supostamente aprender todos os comandos)? Alô Skyrim, é com você. Os jogadores querem se sentir no controle do jogo e das decisões, viver numa verdadeira imersão. Fazer o balanço entre curva de aprendizagem e controle de gameplay é uma arte, aprimorada aos poucos pelos estúdios de jogos. Além disso, crescem os jogos que escolhem apostar totalmente nesse aspecto como os games de mundo aberto Minecraft, Zelda: Breath of the Wild e The Witcher 3: Wild Hunt.
Se conectar com outras pessoas: humanos são criaturas sociais, e mesmo na era pré-internet os jogos já juntavam tribos. Hoje é possível se conectar com outras pessoas e até fazer novos amigos através dos chats e canais de voz dos jogos multiplayer. Um grande amigo meu é desenvolvedor do Gartic, e todos os jogos da franquia são um primor na exploração da mecânica social.
Eu aposto que você consegue identificar esses aspectos nos seus jogos favoritos, sejam eles indie (lançados de forma independente) ou AAA (os blockbusters do mundo dos games). O grande desafio está em conseguir balancear os aspectos psicológicos com, obviamente, a monetização do jogo, afinal de contas os estúdios e desenvolvedores não vivem de fotossíntese.
A Economia dos Jogos
Existem diversas formas de monetizar jogos. Os arcades dos anos 80 cobravam moedas que davam direito a algumas rodadas. Esse modelo de negócio foi um sucesso em seu tempo. Somente nos Estados Unidos, cerca de 10 mil máquinas geravam uma receita de 5 bilhões de dólares (hoje equivaleria a $12 bilhões).
Esse modelo simples, como o do Pac-Man, implementava todos os aspectos vistos anteriormente: eram jogos fáceis de aprender, difíceis de terminar, desafiadores e exibiam o ranking de melhor pontuação (gerando um aspecto social de competitividade). Até hoje eu lembro a sensação de ver aquela tela de “continuar?” ao tentar zerar Metal Slug.
Esse é um gatilho mental poderoso para fazer alguém gastar dinheiro: “se eu não colocar outra ficha AGORA vou ter que começar do início. E só tenho 3 segundos para tomar essa decisão”.
Já os anos 90 foram marcados pela famosa Guerra dos Consoles, protagonizada pela Nintendo, Sony (Playstation) e Microsoft (Xbox). Como as máquinas foram para casa dos jogadores, a forma de monetização mudou. Os jogadores compravam o console, e compravam o jogo, ou seja, o investimento era feito antecipadamente. Se não gostasse do jogo… azar, já foi pago. E se um estúdio gastasse uma quantia exorbitante e o jogo não vendesse bem… azar também.
Foi aí que o lançamento “fracionado” começou a ser testado, os famosos “DLCs” (pacotes de conteúdo adicional para os jogos) e pacotes de expansão. Com isso, os estúdios conseguiam lançar um jogo com um orçamento menor, e ir expandindo esse jogo gradualmente dependendo da demanda.
Com a internet e popularização dos jogos mobile, as distribuidoras perceberam a possibilidade de criar economias mais complexas. Disponibilizando o jogo gratuitamente, a comunidade seria desenvolvida de forma mais ágil e a receita viria de microtransações. E foi assim que PUBG e Free Fire se popularizaram.
Esse é um resumo minúsculo de uma história complexa e muito interessante, que mostra o caminho que os estúdios desenvolvedores de jogos percorreram antes dos modelos atuais de monetização. A demanda está aí, a previsão é que o mercado de games atinja cerca de 160 bilhões de dólares em 2050, mas essa previsão não está otimista assim para os games em blockchain, os chamados GameFi, ou Web3 Games.
Em 2022, o setor sofreu uma pancada de 80%, indo de $24 bilhões para $7 bilhões em capitalização de mercado, mesmo após investimentos milionários de fundos como Galaxy Interactive, Immutable, e a16z. “Jogos Web3” foi o setor de cripto que mais recebeu investimentos em um ano. O que está dando errado e o que os investidores esperam para o futuro em GameFi?
O que está faltando em GameFi?
Se você é um entusiasta dos jogos como eu, e jogou algum dos famosos jogos de web3, tem grandes chances de você já saber essa resposta. Assim como 79% dos jogadores entrevistados em uma pesquisa que disseram que odeiam NFTs.
Se você não é entusiasta de jogos, mas foi atraído pelos jogos Web3 pela oportunidade de fazer dinheiro fácil, lamento dizer, mas você é parte do problema.
A resposta simplificada para essa pergunta é: os grandes jogos em Web3 são chatos. Mas muito chatos. Não nos desafiam intelectualmente, não nos dão nenhuma independência ou imersividade, e a interação com outros jogadores fica por conta de canais de Discord discutindo preço.
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A resposta completa já não é tão simples. Na verdade, nem todos desenvolvedores de jogos web3 são golpistas tentando fazer dinheiro fácil. A venda de NFTs como itens de um futuro jogo foi uma forma justa encontrada para desenvolvedores conseguirem arrecadar fundos para seus projetos, mas a especulação financeira faz muitos projetos morrerem antes de conseguirem evoluir nas etapas de desenvolvimento.
O desenvolvimento de jogos tradicionais hoje procura balancear a experiência em 3 aspectos: desafio, gratificação e economia.
O excesso de foco na economia do jogo não é uma reclamação recente dos gamers, ou exclusiva ao GameFi. A polêmica dos jogos pay-to-win (pague para ganhar) que atingiu títulos como Diablo Immortal e Star Wars Battlefront 2 já mostra que os jogadores não gostam quando a jogabilidade é afetada pela economia. Uma coisa é comprar uma roupinha bonitinha no Fall Guys, outra é comprar XP em Marvel’s Avengers, ou seja, literalmente comprar pontos de experiência.
Da mesma forma, se um jogo exagera no desafio proposto de forma que faz o jogador se sentir incapaz, esse jogador pode abandonar o jogo. Para jogos de console isso é ok, como na franquia Dark Souls ou Cuphead, que ficaram tão famosos pela dificuldade que renderam boas streamings e conteúdo. O dinheiro já foi gasto na compra do jogo. Agora imagina se um jogo gratuito, que depende da venda de itens cosméticos, apresenta uma dificuldade estilo Cuphead. Foi o que aconteceu com Fortnite.
Teve uma época que os jogadores de Fortnite estavam tão profissionais que estavam afastando os novatos do jogo. Ninguém quer se manter num jogo de tiro sem conseguir disparar um tiro sequer. A empresa teve que criar bots para ajudar os jogadores iniciantes a evoluir e não desistir do game.
Já a falta de desafio e excesso de economia e gratificação é o que parece o foco dos grandes lançamentos de jogos na Web3, os famosos play-to-earn (jogue para ganhar). Imagine a reação dos entusiastas de jogos quando viram que o setor revolucionário de Web3 gaming estava se orgulhando do Axie Infinity. Um joguinho sem graça, sendo praticamente uma aplicação financeira ou casa de apostas disfarçada de jogo.
Outro movimento que ajudou a queimar o filme do setor de GameFi foi o STEPN, que popularizou o move-to-earn (mova para ganhar), que prometia ganhos a quem… andasse mais. O problema desses jogos era o foco no motivo para jogar: ganhar dinheiro. Enquanto anos de estudos e evoluções sobre a psicologia dos games ajudaram a criar modelos para nos fazer gastar dinheiro com games, o setor de GameFi achou que ganhar dinheiro seria um bom motivador. A conta não fecha.
Apesar de atrair milhares de usuários com essa premissa, o perfil do jogador atraído não é lucrativo. São basicamente “jogadores” mercenários procurando lucrar ao máximo do sistema, que abandonarão o jogo sem pestanejar quando não for mais lucrativo. Esse perfil de usuário jamais será positivo para um jogo.
O que o futuro aguarda para os jogos em Web3
Muito já foi investido no setor. Apesar da queda monstruosa em capitalização de mercado ano passado, esse foi o setor de cripto que mais recebeu investimentos em 2022, ou seja, muito ainda será feito. É importante pontuar que a correlação dos preços do setor de GameFi é direta com o mercado geral de cripto, e ainda não sabemos se isso é inevitável ou se precisa ser corrigido. Afinal de contas, o mercado de games tradicional não é afetado pela economia global.
O time de pesquisa do Galaxy acredita que o caminho é conseguir criar um modelo de tokenização dos itens de jogos, mas sem sacrificar o domínio do mercado, ou seja, o jogo precisa controlar o mercado de seus itens. Se todas as taxas de transações forem pagas ao OpenSea, o jogo vai ter problemas de monetização. Além da óbvia necessidade de incluir nas equipes pessoas experientes com o mercado de games que entendam dos consumidores e da psicologia por trás dos jogos e saibam balancear os elementos de economia, sem atrair somente mercenários atrás de lucro.
Um exemplo de jogo citado pela Galaxy é o Sorare que, pra mim, sem explorar muito, parece uma mistura de Cartola com álbum da copa. É gratuito para começar, e te dá a possibilidade de conseguir cartas raras de jogadores para você montar seu time dos sonhos e competir com os amigos.
Já a equipe de pesquisa do The Block acredita em jogos totalmente on-chain. Conforme o último relatório deles, não será possível migrar os modelos econômicos dos jogos atuais para Web3, pois o controle do mercado é crucial para a sustentabilidade desses jogos tradicionais. É preciso criar novos modelos, um novo paradigma para jogos completamente on-chain, onde cada ação será uma transação na blockchain. Para isso, é preciso investimento e desenvolvimento das soluções de escalabilidade.
Eu não consegui achar muito material da a16z sobre seus investimentos em games (provavelmente passando vergonha pelo Axie Infinity) mas, vasculhando seu portfólio, vi que eles apostam bastante nos novos estúdios de desenvolvimento como Mythical Games e marcas de metaverso, como a Yuga Labs. A equipe do a16z responsável por investimentos no setor de GameFi tem nomes interessantes com David Baszucki, fundador do Roblox; Jason Citron, fundador do Discord; Marc Merrill, co-fundador da Riot Games; Mike Morhaime, co-fundador da Blizzard dentre outros. Ou seja, eles provavelmente sabem o que estão fazendo. É possível ver o portfólio completo deles aqui.
Além disso, achei um estudo completo e interessante deles sobre AI (inteligência artificial) e jogos, onde eles claramente explicitam interesse em investir em empresas que tragam soluções inovadoras de AI para NPCs (personagens no jogo controlados por computador), mundos abertos generativos, etc.
Conclusão
A verdade é que ainda existe muito o que ser pesquisado e discutido sobre jogos na Web3. Se você é um investidor e acabou caindo na hype de comprar tokens relacionados ao setor, eu sinto muito. Se tem algo que 2022 ensinou para nós é que os grandes investidores de cripto nem sempre estão certos e, quão mais arrogantes, maior é o tombo. Acho que existem setores mais promissores para investir agora, como de Mídias Sociais Descentralizadas.
Mas isso não significa que todos estejam errados. A meu ver, estamos em uma fase de experimentação, talvez análoga ao crash dos videogames lá em 1983, que levou a Atari a destruir cerca de 700 mil cartuchos para liberar os estoques.
Talvez o Axie e STEPN sejam o jogo do ET dos anos 80: muito hype, péssimo jogo. E cabe a indústria tacar fogo em tudo novamente e começar do zero. Quer dizer, do zero não, a partir de anos de experiência e conhecimento acumulados na área.
A verdade é que não queremos jogar pra ganhar dinheiro. A gente quer sentir aquele frio na barriga quando abria a caixa novinha do Super Nintendo. Ou aquela notificação da Steam quando seus amigos estão online jogando Counter Strike. Queremos gastar dinheiro naquilo que nos desafia, entretém e diverte.
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Biografia
Ludmila Lopes é pesquisadora de cripto desde 2017, já contribuiu em DAOs como Yearn, foi Head de Marketing do DeFi Pulse e atualmente contribui com pesquisa e growth na Bankless Brasil. Siga-a no Twitter aqui.
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Texto fantástico! Boa, Lud! 🚀
Valeu por citar o Counter-Strike: Global Offensive! É o melhor case de itens tokenizáveis da geração dos eSports.