DAO: o que é e como criar do zero | DAO Talks

Tudo sobre a próxima geração das estruturas organizacionais.

Prezada Nação Bankless,

Coordenação e colaboração andam lado-a-lado.

Nessa edição do DAO Talks, temos o primeiro conteúdo originalmente brasileiro, publicado pelo autor convidado Jean Hansen, que escreve para a newsletter Pedoispe sobre tecnologia e web3.

Esperamos que gostem e também embarquem conosco rumo ao Futuro do Trabalho.

- Danko

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DAO: o que é e como criar do zero

Autor: Jean Hansen

Bob é apaixonado por música, acompanha diversas bandas locais, vai à apresentações, compartilha as músicas nas redes sociais, e algumas vezes ajuda fazendo algumas conexões empresariais para eventos.

Ele é mais que um fã. É um colaborador de cada uma dessas bandas, e da micro economia cultural/musical da sua cidade. Ele está ajudando a construir esse ecossistema.

Um dia uma das músicas locais, até então desconhecidas, viraliza. A banda ganha destaque, fecha shows, fica famosa e muito rica.

E a parte de Bob? Como ele é recompensado pelo seu trabalho inicial? Como ele participa da valorização do ativo que ajudou a construir?

Bem-vindo ao futuro das estruturas organizacionais, as DAOs (Decentralized Autonomous Organizations).

O que são DAOs

Essas novas organizações são comunidades nativas digitais em torno de um objetivo específico (criar um produto, arrecadar fundos, comprar ativos, etc.) cuja gestão e governança são descentralizados, ou seja, não há um comitê central tomando decisões, assim como sua propriedade é compartilhada entre os membros. 

Uma espécie de cooperativa digital.

É uma estrutura que consegue trazer propriedades inovadoras para uma organização, como gestão digital e transparente, execução de regras automatizadas, fácil compartilhamento de participação “societária”, caixa financeiro público e compartilhado e mecanismos de incentivos de longo prazo; que atualmente são praticamente inviáveis de se implementar nas estruturas organizacionais vigentes (estruturas analógicas).

Todas essas propriedades inovadoras foram viabilizadas tecnologicamente pela nova era da Internet, a Web3 (blockchains e criptoativos).

Mas, antes de mergulharmos nos detalhes, vamos dar um passo atrás e revisar como funcionam as estruturais atuais.

Entendendo as Estruturas Organizacionais Atuais

Hoje as duas principais estruturas sociais que conhecemos são Empresas e Governos.

Empresas são entidades legais com fins lucrativos constituídas através de um contrato social. Os participantes listados no contrato são donos do capital (do ativo) e tomam as decisões estratégicas da empresa, além de terem direito aos dividendos de acordo com sua participação societária.

Algumas vezes, com empresas listadas na bolsa, você pode comprar ações (tokens) da empresa, receber dividendos e ainda, em alguns casos, fazer parte da governança através do direito a votos.

E embora hoje a superfície dessa estrutura seja digital, ou seja, conseguimos comprar ações online, fazer gestão de contratos online, etc., a infraestrutura é analógica: inúmeros contratos escritos ‘em linguagem humana por advogados e assinados entre as partes.

Governos também são estruturas legais porém sem fins lucrativos. Os cidadãos da região são taxados para se criar um orçamento que será usado para gestão pública. Essa gestão é feita de forma democrática, onde cada cidadão vota em um representante que irá influenciar as decisões políticas para melhor investir o dinheiro.

Para votar também é necessário um token, o título de eleitor, ou outro documento legal.

Assim como as empresas, o governo opera com algumas interfaces digitais na superfície (portal da transparência, etc.) mas toda sua infraestrutura operacional é analógica, através também de regras e contratos assinados literalmente entre as partes, ou aceitos implicitamente entre os moradores (você nunca assinou um contrato aceitando a pagar impostos).

Com essas estruturas em mente, podemos dizer que DAOs são uma fusão das duas em uma estrutura nativa digital.

As 3 principais características a se destacar são: as regras, o caixa financeiro e o token de propriedade.

As regras não são contratos sociais endossados por um corpo jurídico. Nas DAOs as principais regras são trechos de códigos autoexecutáveis em uma blockchain.

O caixa financeiro não é composto por dinheiro em papel (ou digital que representa dinheiro em papel, como Real e Dolar). O caixa está na Blockchain com saldo em criptomoedas e pertence a DAO, com diversas restrições de acesso, obviamente.

O token de propriedade não é um documento legal, como identidade ou ações de empresas. Nas DAOs os tokens são digitais (cryptoassets) emitidos pela organização, similares a uma criptomoeda.

Vamos mergulhar um pouco mais fundo e entender quais são esses recursos tecnológicos em Blockchain que possibilitaram o surgimento das DAOs.

Caixa Financeiro Compartilhado e Regras Autoexecutáveis

Aplicações descentralizadas em Blockchain permitem diversas novas funcionalidades antes impossíveis, como aplicações imutáveis e autoexecutáveis (dapps/ smartcontracts) e recursos nativos financeiros, como “conta corrente” on-chain (um endereço na Blockchain habilitado a receber criptomoedas).

Isso permite que regras gerais da DAO sejam programadas para serem autoexecutadas, principalmente as mais sensíveis.

Por exemplo, pode haver uma regra na aplicação da DAO que envia proporcionalmente a todos os membros 10% de toda a receita gerada na venda de determinados produtos. Então, sempre que um pagamento for feito para a DAO, automaticamente os membros recebem sua parte dos 10%.

Como essa aplicação está na Blockchian, seu código-fonte (transferir 10% da receita entre os membros) pode ser facilmente auditada, assim não sendo necessário confiar que uma entidade irá contabilizar corretamente o valor e repassar aos interessados.

O Caixa Financeiro Compartilhado segue o mesmo conceito do Bitcoin. Mas ao invés de o usuário ter um endereço (conta corrente), é a própria aplicação.

Claro, nem tudo o que acontece numa DAO é automatizado com regras em Blockchain, principalmente no início.

A criação de uma DAO se inicia extremamente centralizada em seus fundadores, e com o tempo as regras vão para a blockchain ou são abertas para votação da comunidade.

Mas invariavelmente, desde o início, haverá um Caixa público em Blockchain com os recursos da DAO e as principais decisões são sempre abertas e tomadas através de consensos coletivos entre os membros, geralmente usando votações simples.

Token de Propriedade

Talvez você esteja se perguntando? Como se define a participação de um membro? 

Nas estruturas atuais, governos e empresas, os tokens são instrumentos legais, seja a ação da empresa, um documento de identidade, etc.

Na blockchain este token é um cryptoativo criado e emitido pelos membros da DAO. 

Esse token representa a posse de uma parte da organização. E é com ele que cada membro consegue votar em decisões importantes, receber pagamentos, acessar canais exclusivos e claro, apreciar a valorização do ativo (exatamente como acontece com as ações de empresas).

A utilidade de um token e as regras de governança ainda estão bem preliminares e sob muita experimentação, então ainda não existe um playbook exato a se seguir. Foque-se em entender as premissas e possibilidades.

Como Bob seria recompensado com DAOs?

Vamos voltar para a história de Bob, o grande entusiasta e colaborador do ecossistema musical da sua cidade.

Imagine que o grupo de bandas local, que compartilham do mesmo estilo e valores musicais, decide criar uma a BandaDAO.

O primeiro passo é criar a DAO de fato.

Existem diversas plataformas para ajudar nesse processo, como DaoStack e Aragon.

Lá é possível criar um caixa financeiro um uma Blockchain com a Ethereum, onde todos os músicos e fãs membros da DAO podem transferir uma quantia em crypto que será usada para iniciar o projeto, ou até mesmo iniciar uma campanha de financiamento coletivo, usando ferramentas como o Mirror - uma plataforma de publicação de conteúdo com widgets financeiros on-chain).

E diferente de uma estrutura convencional, esse dinheiro na Blockchain é público e totalmente auditável por qualquer pessoa online.

O segundo passo é criar o token da DAO, que seria usado para compartilhar a propriedade da comunidade, definindo quem tem direito a governança e ao acesso aos benefícios. 

Nas mesmas plataformas de criação de DAOs mencionadas anteriormente (e até no Mirror) você consegue criar facilmente o token, definindo quantidade e outras regras específicas.

Imagine que são criados 1 milhão de tokens (ex:, $BANDA) e divididos inicialmente entre os investidores iniciais da BandaDao, seja os próprios membros ou os participantes do financiamento coletivo. 

Na plataforma Mirror é possivel fazer essa distribuição de token do financiamento coletivo automaticamente e proporcionalmente, que irão diretamente para as carteiras digitais dos membros, como a Metamask. Mas, as outras plataformas de criação de DAO também tem recursos de criação e distribuição de tokens.

O token $BANDA pode ser usado nas estratégias de crescimento e divulgação das bandas e das músicas.

Os membros da DAO podem convocar a comunidade a compartilhar os links das músicas que estão no youtube, e qualquer conteúdo que ajude na divulgação, e então recompensar com tokens aqueles que gerarem maior engajamento. 

Há plataformas que automatizam esse processo também, como sourcecred e coordinape.

Todos que estão colaborando na criação do projeto, seja diretamente com trabalho dedicado, ou simplesmente divulgando, serão recompensados proporcionamente com token, serão donos de parte da comunidade e acessarão diversos benefícios definidos pela DAO, além claro da potencial valorização das bandas.

Pode haver vários benefícios para os detentores da $BANDA.

Eles podem votar sobre decisões futuras e regras do grupo através de plataformas como o Snapshot.

Por exemplo, podem votar na próxima cidade a receber uma apresentação, podem participar do processo criativo de alguma música, ou ainda votar sobre regras futuras de compartilhamento de receita.

Outro benefício pode ser o acesso a canais privados, por exemplo, o Discord e o Telegram, para participar de reuniões e conteúdos exclusivos. Com o colab.land você pode configurar um bot que automaticamente checa se o usuário tem o token da DAO na carteira e permite sua entrada no grupo de Telegram ou Discord.

Também, caso o membro tivesse mais tokens que um limite pré-definido, poderia ter acesso a todos os shows das bandas da BandaDAO, por exemplo.

E claro, poderia ser compartilhado uma porcentagem dos ganhos futuros em shows com os detentores do token, de forma automática.

Como, diferente de uma empresa, todos facilmente podem ser donos de um share da comunidade, ou seja, donos do ativo, a relação é totalmente ganha-ganha, com alto alinhamento entre os participantes.

Assim, caso uma ou mais bandas da DAO explodisse, Bob seria altamente recompensado por ser um fã e colaborador tão ativo na fase inicial das bandas, pois teria uma boa quantidade da $BANDA.

Qual o estado atual do ecossistema

Nos últimos anos, principalmente 2020/21 tivemos uma explosão de DAOs com os mais variados objetivos.

Um dos casos de uso mais interessantes é ter propriedade compartilhada de ativos reais, como Arte Digital e Equipes Esportivas.

Sim, equipes esportivas!

Por exemplo, o Krausehouse.club é uma DAO com o objetivo de comprar um time de basquete da NBA. A propriedade será compartilhada por meio de tokens entre todos os membros.

Eles já arrecadaram a bagatela de 1000 ETH (+U$ 3 milhões)

Outro exemplo é o PleasrDAO (um coletivo de colecionadores de NFT experientes e artistas digitais) que comprou o NFT do Edward Snowden por US$ 5,4 milhões.

Depois disso, o DAO fragmentou o ativo usando o fractional.art em bilhões de tokens ($DOG) para compartilhar a propriedade com toda a comunidade.

Outro experimente sensacional é o CityDAO.

CityDAO é uma organização descentralizada construindo uma rede de propriedades em Blockchain, começando com um terreno em Wyoming (estado dos EUA).

Cada pedaço de terra é um NFT que pode ser de propriedade do DAO coletivamente ou de indivíduos. 

Em breve, isso será escalado para cidades reais, onde todos os cidadãos terão um pedaço de terra e poderão votar usando o token subjacente.

Há também DAOs culturais, de investimento, de pesquisa científica, de educação e media.

Desafios e Futuro

Hoje ainda apesar do espantoso avanço e crescimento das DAOs, toda a indústria web3 está em fase inicial e super experimental. Não há uma fórmula a seguir, apenas insights, problemas e algumas boas práticas para iniciar.

As ferramentas ainda são escassaz, embora já tenhamos evoluído drasticamente nos últimos anos, como demonstrado neste artigo.

Mas, uma coisa é certa.

Esta é uma nova estrutura social muito poderosa e em plena ascenção.

Não irá só impactar como as estruturas econômicas (empresas) se organizam, como também as políticas (governos).

As novas gerações, que já são nativas digitais e habituadas aos cryptoativos, jamais trabalharão para uma empresa ou viverão em uma cidade que não compartilhe propriedade da estrutura entre seus membros (através de tokens).

Grupos de indivíduos terão poder e capacidade de negociação e execução no mundo real jamais vistos na história da humanidade, equiparando-se a instituições globais.

Indivíduos terão acesso abundante ao capital de projetos em que trabalham, colaboram ou simplesmente usam, como softwares; tendo acesso a pequenos fluxos de renda de várias fontes (e não só de empregos).

Muitos já apontam as DAOs e as tecnologias WEB3 como sendo a última peça tecnológica para alcançarmos a sonhada UBI (universal basic income).

Ainda não sabemos com precisão quais serão as consequências, benefícios e malefícios deste novo paradigma organizacional.

Mas uma coisa é certa: será profundamente transformador.

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