O Trilema da Tomada de Decisão | DAO Talks
DAOs arriscam tomar decisões privilegiando apenas dois aspectos, sob prejuízo de um terceiro: decentralização, agilidade e processos de governança.
Prezada Nação Bankless,
Na publicação de hoje, resolvemos explorar uma ideia que vem martelando na minha cabeça há algumas semanas.
Desde que o bear-market bateu forte no universo cripto, estou observando mudanças significativas na forma que as DAOs e comunidades digitais estão se organizando para sobreviver no momento de crise. Existe um movimento acontecendo de re-centralização da governança, com agilidade para acompanhar as mudanças bruscas que estão ocorrendo no mercado e formando um redesenho geral da forma de gerenciar essas comunidades.
O “trilema da tomada de decisão nas DAOs” compreende a noção de que arriscamos tomar decisões privilegiando apenas dois aspectos, sob prejuízo de um terceiro: decentralização, agilidade e processos de governança.
Acompanhe essa linha de raciocínio, mande para gente seu feedback e estude conosco esse movimento cripto — quem sabe também ajudando na formação de um novo conceito sobre como tomar decisões.
- Danko
O Trilema da Tomada de Decisão nas DAOs
Autoria: 0xDanko
Revisão: BrMoniz
O trilema não é um conceito desconhecido para o universo cripto. Você já deve ter ouvido falar, quem sabe leu aqui mesmo, sobre o trilema que toda blockchain enfrenta: descentralização, escalabilidade e segurança. Um deles deve ser sacrificado!
Nesse artigo conduzimos um exercício similar, onde observamos nas comunidades descentralizadas que o processo de tomada de decisão também possui suas escolhas, as quais possuem privilégios e sacrifícios.
Durante o bear market, as comunidades digitais e DAOs se viram obrigadas a tomar decisões. Poderíamos dizer que a grande parte delas (senão todas) se caracterizam como uma correção de rumo, absolutamente necessária para setar prioridades e dar continuidade naquilo que era essencial para sobrevivência do negócio/produto/serviço/sonho.
Com a liquidação geral e saída de capital de risco do mercado cripto, a escassez de recursos para continuidade de projetos se mostrou como motivador natural para “fazer a limpa”. Manter só o absolutamente necessário, remover com agilidade aquilo que não está dando certo e dar protagonismo para as boas ideias.
Chegou a hora das DAOs encararem o urso! 🐻
Agora podemos observar a manifestação desse trilema.
Empresas em momentos de crise devem agir rápido. Isso é uma grande dificuldade para DAOs.
Empresas tomam decisões centralizadas, top-down e aguentam as consequências conforme o grau de responsabilidade dos tomadores de decisão. Comunidades não possuem esse nível de accountability e as consequências são sentidas por todo o coletivo.
Empresas podem alterar seus métodos e modelos de administração de forma fluida. DAOs precisam seguir processos: achar um consenso, desenhar uma proposta, discutir, votar e (se tudo der certo) executar.
Para fins meramente ilustrativos e narrativos, estou nomeando esses três elementos do triângulo, mas eles também podem adotar aspectos e conceitos mais amplos.
Agilidade: a velocidade na tomada de decisão pode ser fatal no momento de mudança do mercado. Mais notavelmente no mercado de NFTs, a queda abrupta foi fatal para diversas coleções e comunidades, que nem sequer tiveram a chance de proteger seus ativos e viram o floor-price despencar sem qualquer volume de vendas!
Descentralização: uma participação ativa da comunidade em toda tomada de decisão é uma utopia paradoxal. A medida que aumentamos o número de atores envolvidos em um debate, mais distante ficamos de um consenso para atingir os objetivos pretendidos. É menos complexo entrar em consenso com outra pessoa, mas inclua cada vez mais indivíduos no debate e verá o problema.
Processos de Governança: aqui pretendemos empregar o termo de forma muito flexível, mas entendemos esse elemento como a correta aplicação das normas da organização pela administração. Vamos expandir mais esse conceito ao longo do texto.
Processos de Governança Descentralizados
Quem já teve a infeliz oportunidade de participar de longos debates em fóruns, grupos, calls ou canais de Discord saberia dizer a tortura mental que são discussões demasiadamente aprofundadas. Porém, observamos que elas focam normalmente em aspectos menos importantes do debate.
A medida que aumentamos a descentralização, acrescentando atores e partes interessadas ao processo de decisão, maior é o distanciamento do tema central da proposta. Essa geração de conflitos periféricos perpetua o debate e a construção de consenso, sacrificando a agilidade necessária para tomada de decisão.
Medidas para contornar esse embate normalmente se dão pelo desvio e apresentação de novas soluções criativas aos problemas, portanto afastando os atores da zona de conflito.
As DAOs devem escolher quais decisões precisam de amplo debate e aquelas que podem ser tomadas por pequenos grupos. Com legitimidade concedida pela comunidade ou mesmo a delegação de poderes de voto on-chain, pequenos grupos ou indivíduos devem ter capacidade para fazer as engrenagens rodarem com agilidade.
Na conhecida comunidade Friends with Benefits, uma DAO híbrida de clube social e fomento de iniciativas na web3, recentemente uma proposta foi votada para dar ao grupo de líderes um prazo para ofertar a comunidade um planejamento com métricas claras que deverão se alcançadas. Foi uma forma de re-centralizar o processo de decisão através da delegação, mas sem prejudicar o accountability de seus líderes.
E por falar em líderes…
Os Ditadores Benevolentes
Nem toda DAO nasceu descentralizada na web3, muito menos autônoma.
Muitas organizações digitais (aliás, a grande maioria delas) nasceram de um indivíduo, ou pequeno grupo de entusiastas sobre uma ideia. Talvez foi o desenvolvimento de um produto, a solução de um problema ou a construção de um sonho. Fato é que o start dos projetos é centralizado em fundadores, aqueles que colocaram a pedra fundamental na construção, que deram os primeiros passos no início de uma jornada.
Essas organizações passam por processos de descentralização. Até agora não encontramos a “fórmula mágica” ou um “guia para descentralizar seu projeto”. Ainda é um ambiente de muita experimentação, com acertos e erros, onde se troca pneu com o carro andando.
Certamente esse momento do bear-market foi importante para entender mais sobre esse processo. É mais fácil errar quando tem dinheiro e otimismo de sobra no mercado para corrigir os erros. Sendo as DAOs um experimento em sua própria natureza, a taxa de erros ainda é altíssima. A lógica é: descentralização custa caro.
Muitas organizações então se viram no momento de colocar em stand-by os processos de decentralização, ou mesmo na hora de fazer uma correção de rota violenta para manter-se alinhada com seus objetivos.
Sem esquecer de mencionar iniciativas ousadas como da Optimism e outros airdrops que ocorreram nos últimos meses, no geral os founders de DAOs se viram numa necessidade de tomar as rédeas, sacrificando a descentralização e privilegiando a agilidade para tomada de decisão da melhor maneira possível.
Porém, DAOs possuem características muito específicas para terem as vantagens da sua personalidade jurídica. A entidade legalmente constituída para dar àquela comunidade o status e proteção necessária para fazer negócios no mundo real, poderá ser afetada caso os devidos processos de governança não estejam sendo seguidos, preferencialmente com rastreabilidade on-chain, sob pena de responsabilização das pessoas envolvidas.
É condição existencial para a DAO que as decisões sejam descentralizadas. Então, a não ser que os founders detenham ainda uma tonelada de tokens para exercer maioria no poder de voto (e, sejamos francos, normalmente eles tem), as consequências podem ser graves, pois os atingem de forma pessoal e sem a proteção legal da personalidade jurídica.
Em outros casos, porém, vemos a mais divertida e experimental faceta do trilema: a tomada do poder pela comunidade, o famoso community takeover.
Entregando seu projeto de NFT para comunidade:
Não funciona, mas pode ser divertido tentar consertar!
Desorganizações Autônomas Decentralizadas
A explosão dos NFTs no ano passado foi com certeza o principal movimento cultural que o universo cripto conseguiu atingir até hoje. De artistas consagrados até emergentes talentos, a web3 começou a ser inundada por projetos e formações de comunidades, que rapidamente tomaram proporções muito maiores do que qualquer um de nós poderia imaginar.
Quem aqui, vendo as bolhas das ICOs estourarem em 2017, ia prever que 5 anos depois teríamos Snoop Dogg e Eminem exibindo alegremente seus Bored Apes, lançando um videoclipe num enorme evento cripto que tomou a cidade de Nova Iorque?
Aliás, eles foram indicados ao Video Music Awards, da MTV essa semana!
Infelizmente, o mercado ainda não é grande o suficiente e nem todos podem ser um BAYC. Aliás, a Yuga Labs, empresa proprietária da marca, possui práticas extremamente conservadoras no que tange a sua decentralização. Apesar de ter efetuado no início do ano airdrop do token $APE e a criação da ApeCoin DAO, a administração das suas marcas ainda é centralizada e a comunidade tem pouco poder decisão além dos poderes “meramente consultivos”.
No entanto, a lista de projetos que entregaram suas operações para DAOs é imensa. Muitos foram já concebidos desta forma, com a criação de uma DAO em seu embrião e parte das receitas direcionadas a um Tesouro. Outros possuíam esse objetivo em seu roadmap e o executaram. Mas fato é que, quando a crise bateu, muitas cabeças rolaram.
As comunidades viram seus ativos despencando e rapidamente recorreram aos desenvolvedores e fundadores, que detinham controle sobre as operações. A frase “can devs do something?” extrapolou a cultura do meme e se tornou quase uma cultura por si mesma (será que os desenvolvedores podem fazer alguma coisa?).
E aí que a coisa ficou realmente experimental.
A brincadeira dos NFTs viu muita gente deixando sangue esparramado de carteiras super-investidas em times e projetos ruins. A pressão exercida pela comunidade é enorme quando as coisas não vão bem, e os ditadores benevolentes passam a ser os grandes vilões — cortem as cabeças — as multidões gritavam ao enviar os absolutistas para guilhotina!
Pessoalmente, tive o desprazer de perder ETH nessas comunidades, mas também vi oportunidades interessantes e muito aprendizado (importante: não estou promovendo nenhuma coleção, por favor não façam nenhuma escolha de investimento baseado no que vou relatar agora).
A coleção de NFT The Humanoids teve grande apelo e hype no seu lançamento, atraindo olhares de influenciadores como Steve Aoki, Jake Paul e os irmãos Winklevoss. Chegando a custar 1.4 ETH cada NFT no dia do lançamento, o floor-price caía dia após dia diante das constantes faltas da equipe nas entregas planejadas do roadmap.
A queda abrupta no volume de vendas do mercado de NFTs (que permanece em baixa) viu uma comunidade ávida por mudanças no time principal quando os tokens chegaram ao patamar de 0.1 ETH. Até mesmo os moderadores do Discord foram expurgados, apenas deixando um pequeno espaço para o artista original. O valor dos tokens nunca mais voltou a subir, o que ainda se agrava pela queda no próprio valor do ETH.
Outro caso interessante, foi da coleção Cat Bricks Clubhouse. Apesar da arte muito bacana, esse time cometeu um grave erro se valendo de duas marcas muito protetoras de seus designs: Cool Cats e a Lego. Não demorou muito até que a OpenSea recebesse uma notificação para remover a página do ar, impedindo a venda do NFT pela plataforma.
A decisão tomada pelo time responsável no projeto foi dar de ombros e sumir com o dinheiro. Obviamente o floor-price foi praticamente a zero, porém a comunidade possuía fundos em um Tesouro e algumas NFTs numa multisig que foi transferida para membros e um grande investidor. Quando o novo time assumiu controle, pivotou o negócio para um clube de serviços no metaverso da Decentraland, sem qualquer relação com as marcas ofendidas. Quem arriscou e entrou nessa comunidade comprando o NFT durante o caos (através de plataformas descentralizadas como Looks Rare), viu seu investimento quadruplicar em uma semana, estabilizando os preços nesse patamar.
Observamos que os casos possuem semelhanças e com certeza você mesmo deve ter presenciado casos assim se “holda” algum NFT. Mas aqui o movimento de community takeover teve resultados extremamente diferentes. Embora tivessem uma nova liderança, os humanoides não deram passos em novas direções, já os gatinhos de Lego usaram seus fundos para inovar em uma proposta totalmente diferente, se distanciando de qualquer processo legal contra Lego ou Cool Cats.
Fato é, que a grande maioria das coleções e comunidades de NFT está “virtualmente morta” agora, muito semelhante aos ICOs de 2017. Ressalvas óbvias a grandes projetos que conseguiram transformar suas coleções em ótimos cases de branding na web3 (como Doodles, DeadFellaz, World of Women e muitos outros).
Porém, para projetos menores, mesmo com algum recurso disponível, a falta de alinhamento nos interesses, que no melhor momento viu um hype meramente monetário e especulativo, não permite a criação de ambiente favorável para continuidade do negócio.
A comunidade toma decisões rápidas, mas sem necessariamente possuir controle das normas de governança, aspectos jurídicos e legais, estabelecimento de processos ou mesmo preocupação futura além de exercer a liquidez dos seus ativos e recuperar os prejuízos. Ngmi…
Conclusão
Empresas são ferramentas de convergência para visões singulares e seu modelo hierárquico foi concebido para perseguir essa visão. DAOs são ferramentas de divergência, de exploração. Elas seguem uma missão e arrebanham contribuidores engajados sob o mesmo propósito, mas não são adequadas para perseguir uma única visão. São múltiplas visões tomando forma simultaneamente.
DAOs não precisam de CEOs, mas ainda precisam de líderes.
Gosto de ver DAOs como motores de inovação. Quando tínhamos muito dinheiro fluindo no mercado, foi um momento especial que presenciamos a formação de diversas comunidades em uma verdadeira explosão de pequenas startups.
Mas chegou a hora do amadurecimento e, para quem tem visão de longo-prazo, o bear-market é ótimo! Não é a toa que invocamos todo o tempo a expressão “build-market”, pois é hora de construir melhores soluções. 👷🏻♂️
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