O Melhor Argumento Contra as Criptomoedas
Se sacrificarmos a descentralização por conveniência, faria alguma diferença?
Prezada Nação Bankless,
Em dezembro do ano passado, Ryan fez uma pergunta em seu tópico semanal:
Recebemos várias respostas interessantes, incluindo:
Vulnerabilidades de código
Imutabilidade on-chain como um vetor de ameaça
O Estado rastreando sua identidade na blockchain
Dependência de eletricidade e internet
Riscos desconhecidos em perturbar o sistema financeiro mundial
@RyanSAdamns:
“Qual é o melhor argumento contra o ecossistema cripto que você já ouviu?”
Alguns argumentos são válidos. Mas teve um que me chamou muito a atenção. Um que não se concentrou nos ataques de fora, mas sim nas ameaças de dentro.
E se a ameaça real for a separação de cripto dos seus valores que guiam o movimento cripto?
Após a Grande Recessão, o whitepaper do Bitcoin se tornou um grito de guerra contra a falha corrupta de um sistema bancário opaco e de um governo que, em meio à crise econômica, deixou o homem comum assumir toda responsabilidade 💰.
Bitcoin tornou-se o porta-bandeira de um novo sistema financeiro. Uma moeda que não estava vinculada a intermediários centralizados, operava de forma transparente e não podia ser manipulada.
Mas será que estamos realmente cumprindo essa promessa? Ou estamos voltando aos nossos velhos hábitos por conta de suas facilidades?
Temos medo de ser livres?
Donovan nos mostra os custos de sacrificar os valores da descentralização por conveniência e o que podemos fazer para corrigir o rumo.
Escritor Convidado: Donovan Choy, Pesquisador Independente
Traduzido, revisado e formatado pela Guilda da Escrita: vin, bettercallvictor, Brian | nonmaj 🏴
O Melhor Argumento Contra o Ecossistema Cripto
Em um ensaio clássico de 2005, o economista libertário e ganhador do Prêmio Nobel, James Buchanan, argumentou que o crescimento predatório dos Estados-nação é, em grande parte, alimentado não apenas por políticos oportunistas, mas também pelo desejo dos cidadãos de fugir da responsabilidade pessoal.
Buchanan escreveu que os políticos são empoderados porque a liberdade vem com responsabilidades adicionais, e as pessoas simplesmente têm medo de serem livres. Elas preferem abraçar a “proteção semelhante a um casulo” do Estado regulador e delegar responsabilidades pessoais da vida cívica a um guardião central, que cuidará de nossos machucados quando cairmos, em vez de enfrentar a natureza espontânea e as imprevisibilidades de uma economia de livre mercado.
Esta não é uma observação única.
Quase dois séculos antes, o cientista político francês, Alexis de Tocqueville, fez uma observação semelhante quando deixou a monarquia da França para a recém-criada república da América. Tocqueville ficou maravilhado com a nova república, mas também temeu que os custos do autogoverno democrático pudessem ser altos demais para suportar. Ele pensou que isso poderia levar a uma tendência em que os cidadãos abdicassem cada vez mais de suas liberdades para um governo paternalista e autoritário.
Em sua obra magna de 1835, Democracia na América:
“A vontade do homem não é quebrada, mas amolecida, dobrada e guiada: os homens raramente são forçados por ela a agir, mas são constantemente impedidos de agir: tal poder não destrói, mas impede a existência; não tiraniza, mas comprime, enerva, extingue e entorpece um povo, até que cada nação seja reduzida a nada mais do que um rebanho de animais tímidos e produtivos, dos quais o governo é o pastor.”
De muitas maneiras, isso se assemelha à maior fraqueza do ecossistema cripto hoje. Ele é um sistema livre de Estado que requer autogovernança, mas é difícil imaginar que a maioria dos usuários de cripto hoje tenham de fato interesse na descentralização ou possuam a disciplina autorreguladora que a descentralização exige.
Descentralização significa autogovernança
A raison d'être de DeFi é a democratização do mundo das finanças. Graças à Internet e aos contratos inteligentes, DeFi elimina ou reduz a influência de entidades centrais – governos, corporações, ou pior, a junção de ambos – no setor bancário. Uma combinação que teve efeitos devastadores, olhando para trás, na Grande Recessão de ‘2007-2008’.
A descentralização é desejável porque dificulta que grupos se organizem a fim de manipular as regras a seu favor, em vez de servir como um bem público. DeFi promete criar um mundo de finanças livre de permissão, onde o usuário comum tem o poder de buscar sua própria liberdade financeira.
No entanto, um sistema financeiro sem Estado não é o mesmo que governança zero. Este é um ponto importante que vale a pena reafirmar vinte vezes. Um equívoco comum é considerar a ausência de governo como um sinônimo de ausência de governança.
Isso está absolutamente errado.
Grande parte da vida diária é regulada por mecanismos de automonitoramento que emergem de ordens espontâneas e ações coletivas de baixo para cima, desde algo tão trivial quanto normas sociais que regulam o comportamento no local de trabalho, até às regras informais que policiam as comunidades públicas em que vivemos.
A economista Elinor Ostrom ganhou um Prêmio Nobel por seu extenso trabalho empírico que detalhava a autogovernança dos cidadãos em florestas, pesca costeira, sistemas de irrigação e sistemas de policiamento, sem a necessidade de intervenção central. Uma grande quantidade de pesquisas revisadas por pares em ciências sociais mostra que o autogoverno eficiente tem uma maneira de emergir, mesmo nas circunstâncias sociais mais precárias, como prisões do submundo, Estados-nação autoritários atingidos pela pobreza e mercados de ações de Amsterdã do século XVII.
Com DeFi não é diferente. A ausência de regulamentos políticos significa apenas que o autogoverno será ainda mais uma auto-responsabilidade. Em vez de confiar em políticos ou partidos centralizados para regular DeFi, temos um dever de auto-custódia que escolhemos assumir e desenvolver.
Ao contrário da percepção dominante, DeFi já está repleto de mecanismos de autorregulação. Essas regras e políticas adotadas espontaneamente disciplinam a evasão e protegem contra o comportamento predatório:
Os mais comuns são os modelos de sobrecolateralização de capital usados em staking e yield farming para deter a acumulação de dívidas.
Outra é o uso indiscriminado de tokens de protocolo como forma de votar em mudanças de protocolo.
Apesar da falta de leis financeiras, muitos protocolos DeFi de primeira linha, como Compound, Uniswap ou MakerDAO, enviaram voluntariamente seus códigos de contratos inteligentes para auditoria.
DeFi também oferece seguro contra hacks de contratos inteligentes. Os protocolos neste submercado incluem Armor e Nexus Mutual, com US$ 1,3 bilhão em TVL, no período de dezembro de 2021.
A grande mídia continuará a pintar DeFi como um “velho oeste das finanças”. Mas, na realidade, os protocolos são muito menos voláteis do que a metáfora leva a crer.
A autorregulação é generalizada.
Estamos acostumados a soluções centralizadas
Embora as regras e mecanismos formais venham a desempenhar um papel importante, isso representa apenas metade do quebra-cabeça da governança. Como Buchanan e Tocqueville apontaram, os sistemas só são autossustentáveis se os próprios usuários estiverem dispostos a participar do autogoverno.
Uma apatia pela descentralização é explicitamente visível. O melhor exemplo disso pode ser visto na tendência das finanças descentralizadas em direção a plataformas e soluções centralizadas.
Tomemos, por exemplo, a terceira maior blockchain, a Binance Smart Chain (BSC), cuja rede validadora carrega um total de 21 validadores aprovados, uma fração ínfima comparada com as dezenas de centenas de milhares de nós validadores em blockchains como Bitcoin e Ethereum.
@WilsonWithiam
Alguns podem ignorar a influência que a Binance Chain tem sobre o conjunto de validadores da Binance Smart Chain.A BSC possui 21 validadores ativos, tornando-o mais centralizado do que a maioria das plataformas.
Esse conjunto de validadores é determinado diariamente pela Binance Chain, uma rede gerenciada por apenas 11 validadores.
A barreira de entrada para ser um validador na BSC requer uma participação inicial astronômica de 519.000 BNB (~ US$ 221 milhões), em comparação com 32 ETH (~ US$ 104.000) na Ethereum 2.0, ou 2.000 AVAX (~ US$ 180.000) na Avalanche, sem mencionar pools descentralizadas de staking como a Rocket Pool, que reduzem ainda mais os custos.
Seu token nativo, o BNB, também é um dos menos distribuídos publicamente, com 50% deles alocados para insiders (investidores com informações privilegiadas).
Do ponto de vista da descentralização, essas são todas bandeiras vermelhas. 🚩
No entanto, o fato da rede BSC ser relativamente centralizada não preocupa a maioria de seus usuários. A rede tinha um TVL de US$ 16 bilhões em dezembro de 2021, e os usuários continuam migrando para sua rede em números crescentes.
O apelo é fácil de entender. A centralização permite escalabilidade no curto prazo para que os usuários possam evitar as taxas de gas normalmente altas, que a validação descentralizada por meio de nós exige. Na área de jogos de blockchain, na qual os usuários frequentemente mintam e negociam ativos NFT, um relatório da Dappradar descobre que o BSC assume a liderança sobre todos os outros contratos inteligentes de Layer-1, com mais de 750.000 usuários únicos diários em média durante julho de 2021.
A tendência à centralização é claramente visível em outros lugares. Tomemos, por exemplo, o jogo de grande sucesso, Axie Infinity. Para acomodar seu crescimento explosivo em junho, introduziu a sidechain centralizada Ronin no mesmo mês, para aumentar a escalabilidade.
Como uma decisão de negócios, provou ser engenhosa e altamente lucrativa. Mas da perspectiva dos ideais de cripto, isso é problemático. Uma bridge de custódia centralizada, como a Ronin, adota um modelo “confiável”, o que basicamente significa que os jogadores se sustentam não na validação descentralizada de suas transações, mas na reputação e integridade dos desenvolvedores para que não sejam explorados. Os jogadores do Axie trocaram segurança por eficiência de curto prazo.
Mas se os desenvolvedores têm o poder de remover ou modificar os ativos conquistados com muito esforço pelos jogadores, então jogar-para-ganhar não é exatamente jogar-para-ganhar, mas jogar-para-possivelmente-ganhar. Isso simplesmente nos leva de volta ao mundo dos jogos tradicionais, no qual grandes estúdios de desenvolvedores têm controle demais sobre como suas economias devem ser executadas no jogo. Quando consideramos que a maior parte dos jogadores do Axie dependia do jogo como uma pausa na devastação econômica da COVID-19, a propriedade econômica imutável sobre seus ativos no jogo deveria ter importado muito mais.
Axie Infinity não está sozinho. Muitas outras soluções cross-chain, como o “Wrapped Bitcoin” (WBTC) da BitGo, percorreram o mesmo caminho espinhoso da centralização, pois os ativos embrulhados são fundamentalmente gerenciados por uma entidade centralizada, que supervisiona o gateway e as regras pelas quais os ativos são bloqueados e mintados. Em 19 de dezembro de 2021, sabe-se que cerca de 259 mil Bitcoins (US$ 12,2 bilhões) são sustentados pela BitGo.
Quando perguntado sobre o futuro de blockchains múltiplas em um painel da Messari Mainnet, o cofundador e CEO da Terra, Do Kwon, brincou que os usuários confiavam nele e que ele “provavelmente não roubaria o bilhão de dólares” contido na bridge Terra Shuttle que se conectava à Ethereum. (Apesar disso, Kwon reconheceu que tais soluções são muito centralizadas e não resistirão ao teste do tempo.)
Trocando Segurança por Custos
Esses são alguns exemplos de centralização severa, mas há muito mais ameaçando o futuro de cripto e o potencial de DeFi. Talvez seja irônico que, em um mundo onde “descentralização” é professada como seu maior ponto de venda, ainda há tantas soluções centralizadas bem sucedidas.
Por que a centralização tem sucesso em um espaço onde a descentralização pretende ser seu valor principal? A explicação mais direta possível é simplesmente que os usuários não se importam. Ou, talvez, os usuários se importem, mas eles não se importam suficientemente a ponto de sacrificar custos/eficiência/vantagem econômica.
Os usuários esquecem que as taxas de gas da Ethereum são apenas um preço realista a se pagar como uma alternativa ao sistema financeiro centralizado existente, o qual pode nos dar taxas de transação “gratuitas” porque já alcançou economias de escala.
Usamos produtos que usam a tecnologia blockchain, transvestidos e comercializados na linguagem da descentralização, imutabilidade e propriedade do usuário. Mas o falso marketing mascara a realidade institucional de que esses produtos são, na verdade, centralizados.
O analista da Messari, Ryan Watkins, coloca isso apropriadamente: “A cada ciclo, as pessoas são enganadas pela mais recente solução centralizada para todos os problemas de blockchain.”
No mundo cripto, há uma tensão fundamental entre os ideais filosóficos de longo prazo das finanças descentralizadas e o uso prático do mesmo, no aqui e agora. A tecnologia e os desenvolvedores estão se movendo rapidamente em direção a um mundo descentralizado, mas a demanda do usuário e a cultura dominante ainda estão muito acostumadas com a velocidade e a facilidade que acompanham a centralização.
O software pode estar comendo o mundo, mas os usuários não estão com fome. Este é um problema que o ecossistema cripto terá que enfrentar, mais cedo ou mais tarde.
@cdixon
não pode ser mau > não seja mau
A cada hack de protocolos famosos, o braço longo do Estado encontra cada vez mais uma razão para buscar as finanças descentralizadas.
Quanto tempo até que DeFi estenda sua mão de volta?
Implicações e Conclusão
Seria injusto culpar produtos cripto centralizados.
Afinal, as empresas apenas respondem à demanda do usuário. Se os usuários não os quisessem, eles deixariam de existir. Antes de chegarmos ao nirvana das transações sem custódia, totalmente livres de confiança e ativos imutáveis, é inevitável que as finanças centralizadas (CeFi) desempenhem algum tipo de papel e o cenário de DeFi se assemelhe a um arquipélago de soluções CeFi, DeFi e/ou CeDeFi.
E então?
Nós não podemos esquecer que a descentralização é o ponto principal.
A história está repleta de grandes sociedades que tomaram rumos desastrosos quando fizeram trocas de curto prazo em prol de ganhos imediatos. O caminho para a descentralização não será fácil. Não deve ser fácil. Encontrará forte resistência por parte dos rentistas que exploram a apatia do usuário comum, tentando preservar sua parte nos lucros centralizados. Na medida em que os usuários estão desinteressados em autogovernança, eles continuarão sendo vítimas de hacks de protocolo, rug-pulls, exploração e turbulência contínua por parte de agentes predatórios.
De uma perspectiva de livre mercado, isso não é necessariamente uma coisa ruim. Os ataques expõem falhas e barram a complacência, o que estimula um processo de descoberta de tentativa e erro que leva a novos conhecimentos. É por isso que os bancos pagam milhões a hackers éticos todos os anos. O erro e o fracasso são apenas o custo da inovação e do progresso.
As comunidades cripto que se preocupam com a descentralização precisam apoiar e sustentar os desenvolvedores que estão expandindo essas fronteiras. Em troca de produtos Wrapped Bitcoin que dependem de custodiantes centralizados, devemos oferecer suporte a protocolos e desenvolvedores com redes descentralizadas como renBTC . Em vez de moedas estáveis centralizadas, devemos fazer uso de stablecoins descentralizadas como Dai e Frax, sempre que possível.
Em vez de mercados de NFT centralizados como FTX e Coinbase, os artistas e desenvolvedores precisam repensar os méritos de plataformas descentralizadas como Genie, NFTX ou Rarible. Os usuários em suas próprias DAOs devem ser hipersensíveis às tendências de centralização, a exemplo da forma que seus tokens nativos podem ser distribuídos.
Vai ficar muito mais difícil antes de melhorar e muita educação para o usuário ainda será precisa
A maioria dos usuários que entra no movimento cripto é atraída inicialmente pelos altos rendimentos e depois por considerações de segurança. As lições da descentralização e os perigos da centralização devem ser reiterados repetidamente para os recém-chegados e permanecer como um lembrete para nós mesmos. Afinal, comprometer os ideais de descentralização simplesmente derrotaria todo o objetivo das finanças descentralizadas.
Biografia do Autor
Donovan Choy é um pesquisador independente baseado em Cingapura e coautor de Liberalism Unveiled, uma análise liberal-clássica da política de Cingapura. Ele escreve sobre a economia política de cripto e sobre regulação de tecnologias.
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Post Original: The best argument against crypto
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