Definindo a abordagem regulatória para o ecossistema em blockchain | DAO Talks
DAOs, tokens e as dificuldades na definição de regimes próprios de tributação e responsabilidades.
Prezada Nação Bankless,
Entender uma DAO é algo complexo, até porque estamos em um tempo de experimentação onde ‘vale tudo’. É como o início das startups, modelos de negócio disruptivos incomodam poderes constituídos.
Em algum momento, as DAOs terão que se adequar definitivamente nas leis das Nações Fiduciárias. Ou será que são imunes a isso?
No artigo de hoje trazemos uma abordagem de linguagem jurídica, de autoria de @eaglelex.eth, advogado e membro ativo da Guilda Jurídica da Bankless DAO, uma das pessoas mais relevantes no cenário das Organizações Autônomas Descentralizadas.
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Definindo a abordagem regulatória para o ecossistema em blockchain
Autor original: eaglelex
A lei é uma construção social que reage às mudanças sociais. Dessa forma, a lei está sempre atrasada quando tenta abordar e regular fatos novos na sociedade. Regular uma tecnologia disruptiva como a blockchain se trata de um enorme desafio, o qual envolve questões políticas diferentes. Por um lado, os reguladores querem prevenir riscos de colapso e perigos para investidores e consumidores; por outro, eles não devem criar obstáculos para inovação tecnológica e o advento da economia digital.
Esses arcabouços legais e as autoridades públicas vem seguindo caminhos diferentes ao redor do mundo para abordar a questão. Tais divergências criam oportunidades de mediação para os operadores no mercado, que escolhem a jurisdição onde vão sediar suas operações e começar suas atividades, dependendo do tratamento legal para criptomoedas, tributação, etc. Algumas das grandes corretoras cripto constituíram uma complexa rede de empresas espalhadas ao redor do mundo, para terem maiores vantagens em paraísos fiscais (crypto tax heavens) e/ou jurisdições com maior aceitação geral para o ambiente cripto.
Essa situação não é uma novidade. Regimes legislativos diferentes competem para atrair investimentos, através de acessos atraentes para empresas que lidam com novas tecnologias. A adoção do Bitcoin de curso forçado em El Salvador é prova (e talvez a prova de maior visibilidade) de que os países vêm se movimentando para enxergar criptomoedas como oportunidades, às vezes também por dificuldades econômicas e financeiras. O risco associado a essa competição é uma eventual corrida até o fundo do poço, onde essas jurisdições se perderiam em questões já pacificadas para atrair novos negócios (como, por exemplo, políticas anti-corrupção e lavagem de dinheiro).
Apesar de não ser uma situação nova, a tecnologia blockchain eleva o nível de complexidade do tema. Na natureza dessa inovação está a possibilidade de construir organizações descentralizadas (DAOs — Descentralized Autonomous Organizations), que simplesmente não querem ser inibidas pelas regras de uma determinada jurisdição. A essência aberta e descentralizada torna essas organizações inaptas para existir apenas dentro de um Estado-Nação específico. E mais, dependendo do tipo de atividade desenvolvida e através do uso de criptomoedas, as DAOs nem mesmo tem a necessidade de se comunicar com o mundo off-chain.
Assim, os principais desafios regulatórios são:
Avaliar qual o estatuto jurídico deve ser conferido aos tokens;
Determinar o regime jurídico das DAOs (responsabilidade e tributação).
Nos países ocidentais, a necessidade de aplicar regulação financeira sob criptoativos sempre foi algo presumido pelos reguladores. Essa posição foi inicialmente concebida pela necessidade do capital para desenvolver a tecnologia. Isto é, foram necessários investimentos para as inovações em blockchain. Essa abordagem trazida pelos reguladores criou um ambiente de muitas incertezas, buscando determinar qual seria então a aplicação das normas já existentes no âmbito financeiro para essas novas tecnologias. Afinal, contratos inteligentes (smartcontracts) e criptomoedas fomentaram uma vasta gama de atividades com diferentes atributos, ainda capazes de se moldar ao longo do tempo, devido ao trabalho de seus desenvolvedores e colaboradores.
A questão principal, do ponto de vista dos legisladores e agências reguladoras, parece ser: nós precisamos novas regras para abordar a natureza inovadora da tecnologia blockchain?
A abordagem estado-unidense para a questão não está totalmente clara, mas declarações públicas de Gary Gensler, atual Presidente (Chairman) da SEC (Securities and Exchange Commission), indicam considerar o regramento existente para valores mobiliários (securities) totalmente aplicável aos criptoativos. Isso levou o ecossistema a grandes preocupações e uma falta de entendimento, especialmente no caso do produto “Lend”, que seria lançado pela Coinbase. Nem tudo pode ser considerado valores mobiliários, mas como as organizações podem determinar quais regras devem seguir?
A União Europeia adotou uma abordagem mais cautelosa. A importância das tecnologias de registro descentralizadas foi assinalada em 2018 por uma resolução do Parlamento Europeu. Desde então, as instituições europeias começaram a desenvolver uma estratégia para finanças digitais, culminando em uma proposta para regulação de mercados de criptoativos — MiCA (Markets in Crypto-Assets), a qual tem como objetivo promover um ambiente regulatório abrangente. O documento esclarece quando um token não deve ser considerado um ativo mobiliário e estabelece um rigoroso regramento para criptomoedas estáveis (stablecoins) e atividades relacionadas ao ambiente cripto, como corretoras, por exemplo.
Por fim, necessário mencionar a favorável abordagem suíça. A Suíça é considerada como o país de regime jurídico mais crypto-friendly do mundo. Isso se deve a uma aproximação prestativa das autoridades suíças (Swiss Financial Market Supervisory Authority), a qual fornece orientações e diretrizes para operadores em blockchain. O documento “Guidelines for enquiries regarding the regulatory framework for initial coin offerings (ICOs)” (tradução livre: diretrizes em questões regulatórias para oferta primárias de criptomoedas), estabelece que cada caso deve ser analisado individualmente e pelos seus próprios méritos, classificando os tokens em três categorias diferentes de para fins de regulação financeira: payment tokens (criptomoedas), asset tokens (equivalente a ativos mobiliários) e utility tokens (para acesso a um serviço ou aplicação digital). Estes últimos, não sendo considerados ativos mobiliários (securities), a não ser que funcione como investimento com fins econômicos, neste caso também passando a serem considerados como asset tokens.
Quanto a problemática de formatar um conjunto normativo confiável para o estatuto jurídico das DAOs, os esforços parecem insuficientes até o momento. Experiências interessantes como a lei de Wyoming, não capturam a essência descentralizada da organização e podem acabar causando mais problemas. As normas europeias e suíças não abordam essa questão e, para as atividades relacionadas ao ambiente cripto, requerem a constituição de uma entidade com personalidade jurídica.
Na realidade, a única solução viável seria criar um conjunto de normas internacionais que não causem prejuízos a natureza digital da organização. A proposta “COALA DAO Model Law” seria boa base para uma convenção internacional, dado que respeita as características essenciais das organizações digitais e propõe soluções para questões de responsabilidade e tributação.
A complexidade do cenário não facilita, mas é possível identificar fatores importantes que devem influenciar a atividade legislativa e regulatória. Primeiramente, é necessário compreender em profundidade as peculiaridades da tecnologia blockchain. Ademais, existe a necessidade de colaborar com pessoas desse mercado, de modo a compreender suas expectativas e respeitar os seus pontos de vista.
Concluindo, uma colaboração internacional é essencial, pois blockchains livres de permissões não consideram as fronteiras dos Estados-Nações.
Esse texto não é recomendação financeira ou fiscal. Este boletim informativo é estritamente educacional e não é um conselho de investimento ou uma solicitação para comprar ou vender quaisquer ativos ou para tomar quaisquer decisões financeiras. Este boletim informativo não é um conselho fiscal. Fale com seu contador. Faça sua própria pesquisa.
Post Original: Descentralized Law #0 | | October 2021
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Incrível os artigos do @Brock, quero chegar nesse nível <3