Bitcoin é uma moeda?
Esta é uma pergunta que ainda não tem uma resposta unânime. Para os que estão dentro da bolha cripto, o Bitcoin é sim a moeda mais revolucionária que já existiu. Porém a bolha cripto é pequena, e o Bitcoin ainda não convenceu a maioria das pessoas.
Com este questionamento em mente, procurei nos estudos de alguns economistas e sociólogos brasileiros os argumentos que refutam a tese do Bitcoin ser considerado hoje uma moeda. O exercício de ler e entender as ideias contrárias é importante para nossas reflexões, para fundamentar nossas teorias pessoais, para desenvolvermos o argumento crítico, e quem sabe até mudar de opinião.
Mas antes de entrarmos em assunto tão espinhoso, primeiro é necessário definir o que é uma moeda.
De maneira geral, se entende que para um ativo ser considerado moeda deve atender três características principais:
Meio de Troca
Unidade de Conta
Reserva de Valor
O analista de finanças Pedro Erik Carneiroa vai além desta definição clássica e diz que uma moeda também deve ter “Convenção Social”. Afinal, uma moeda fiduciária, que por definição é um título que não possui nenhum ativo físico como lastro e conta apenas com a capacidade das autoridades monetárias para garantir sua estabilidade, necessita de uma convenção social para se tornar de ampla aceitação.
Assim, “O dinheiro é definido quando as pessoas estão dispostas a usá-lo e desempenha as seguintes funções: unidade de conta (medida padrão de valores de bens e serviços); meio de troca (item aceito para pagamento de bens, serviços e dívidas); e reserva de valor (forma de armazenar riqueza para transferir poder de compra do presente para o futuro). A disposição das pessoas em usar tal moeda e essas três funções dependem da estabilidade da moeda.”a
Levando em conta as características do dinheiro definida acima, em relação ao Bitcoin, Carneiro ainda diz que “considerando as funções do dinheiro, tem-se dificuldade em mostrar que o Bitcoin desempenha tais funções. Em relação à função meio de troca, o Bitcoin tem uso limitado e é ineficiente para processar transações. Ele pode processar cerca de dez transações por segundo, enquanto os cartões de crédito podem processar dezenas de milhares. Além disso, há uma enorme volatilidade no preço do Bitcoin, o que prejudica significativamente as funções de unidade de conta e reserva de valor. A volatilidade tem sido uma característica do preço do Bitcoin. O Bitcoin não se tornará a moeda dominante enquanto permanecer altamente volátil.”a
Já o profissional de marketing digital Paulo Alexandre discorda dessa visão de Carneiro em relação ao Bitcoin não cumprir a função de meio de troca e unidade de conta, mas concorda que o Bitcoin ainda não pode ser considerado uma reserva de valor, devido a sua alta volatilidade, o que o impede de manter seu valor ao longo do tempo sem se depreciar e preservar o poder de compra no futuro.b
O sociólogo Edemilson Paraná também aborda a questão da volatilidade do preço do Bitcoin. Ele argumenta que “a volatilidade da taxa de câmbio do Bitcoin, que já passou por vários e intensos ciclos de elevação e queda, é, em última análise, um impedimento a sua disseminação como moeda, pois cria incerteza significativa, o que prejudica sua capacidade de servir como meio de troca e reserva de valor, impondo, no mais, grandes perdas a seus usuários.”c
Para o sociólogo , um dos motivos que leva o Bitcoin a ser tão volátil “é o seu teto fixo de emissão de 21 milhões, que como consequência tem levado a uma alta volatilidade do preço, pois apesar de sua emissão controlada, suas flutuações estão limitadas apenas a interação entre oferta e demanda, como convém a uma mercadoria privada.d Ou seja, como a oferta é limitada, em períodos de demanda aquecida o preço pode subir muito rápido, aumentando a especulação.
O mesmo argumento é utilizado pelo economista Rodrigo Silva em sua monografia: “A oferta monetária limitada pode ser considerada a causa do maior problema relacionado a Bitcoin, a sua volatilidade. Por ter uma oferta monetária fixa, aumentos ou reduções da demanda, independente do motivo, seja uma crise bancária ou uma restrição da mobilidade de capitais em algum país, tem impacto direto em seu valor gerando instabilidade para que a Bitcoin funcione, principalmente, como reserva de valor e unidade de conta.”e
Pedro Carneiro também aborda a questão do teto de emissão de Bitcoins, na mesma linha que o sociólogo Edemilson Paraná, e destaca que “para que se torne menos volátil, provavelmente será necessário que se torne inflacionário – ou seja, que seu preço caia com o tempo. Dessa forma, por conta da volatilidade, para o Bitcoin ser o que Nakamoto planejou, ele deve ter outro modelo de desenvolvimento.”a
Seguindo outra linha de argumentação, o economista Paulo Gala diz que “Num sistema fiduciário ou ‘de confiança’, ou seja, sem lastro, o que dá valor à moeda é uma lei nacional que obriga a liquidação de contratos e transações numa determinada ‘moeda doméstica’. Ou seja, o sistema contratual e institucional é que dá valor à moeda.”f
Assim, o Bitcoin não se qualifica como moeda e reserva de valor pois, “Não há nenhum governo que obrigue as pessoas a liquidar contratos em Bitcoins, logo, o valor do Bitcoin como moeda e reserva de valor é zero. Não há uma economia, um sistema produtivo e um sistema contratual por trás do Bitcoin.”f
Por fim, o doutor em economia política internacional, Daniel Kosinski reforça a necessidade de uma autoridade institucional que determine o uso da moeda. Para este autor, “o Bitcoin não é moeda de fato e de direito, pois para isso lhe faltam prerrogativas básicas como: autoridades dotadas de meios coercitivos capazes de impor o seu uso num determinado território; as capacidades de liquidar obrigações tributárias, denominar preços e praticar taxas de juros nos seus próprios termos; poder de comando sobre bens e serviços no comércio internacional, incluindo recursos estratégicos como petróleo e alimentos, não servindo, portanto, para o abastecimento das sociedades.”g
A partir da revisão bibliográfica efetuada, podemos concluir que os principais argumentos para não considerar o Bitcoin como uma moeda são a alta volatilidade do seu preço, que o impede de preservar valor ao longo do tempo e servir como unidade de conta, e a falta de uma autoridade central que imponha a sua utilização, como para o pagamento de impostos. Como contraponto, o Bitcoin é ainda um ativo muito novo, e que está passando por processos de regulação em todo o mundo, o que lhe dará uma maior segurança jurídica, e consequentemente maior possibilidade de ser aceito como um investimento confiável pelo mercado financeiro institucional. A partir daí o caminho para se tornar uma reserva de valor é muito mais palpável.
Referências Bibliográficas
a) CARNEIRO, Pedro Erik Arruda. Bitcoin na Política Fiscal Brasileira. CADERNOS DE FINANÇAS PÚBLICAS, v. 3, n. 22, Pág.11, 2022.
b) ALEXANDRE, Paulo. Bitcoin: reserva de valor ou moda passageira. Merc Blog, 2023. Disponível em: https://holdmerc.com.br/blog/bitcoin-reserva-de-valor-ou-moda-passageira/ Acesso em: 15/09/2023
c) PARANÁ, Edemilson. Bitcoin: a utopia tecnocrática do dinheiro apolítico. Autonomia Literária, Pág 142, 2020.
d) PARANÁ, Edemilson. Bitcoin: a utopia tecnocrática do dinheiro apolítico. Autonomia Literária, Pág 136, 2020.
e) SILVA, Rodrigo Morais Paim. A evolução da moeda e a bitcoin: um estudo da validade da bitcoin como moeda. Revista da Graduação, v. 9, n. 2, Pág. 64, 2016.
f) GALA, Paulo. O Bitcoin é uma “anti-moeda”: cuidado!. Paulo Gala, 2019. Disponível em: https://www.paulogala.com.br/bitcoin-nao-e-moeda/ Acesso em: 15/09/2023
g) KOSINSKI, Daniel. A Rússia sancionada e a geopolítica das ‘criptomoedas’. Disparada, 2022. Disponível em: https://disparada.com.br/russia-sancionada-geopolitica-criptomoedas/ Acesso em: 19/09/2023